Yes, nós temos tetas (Maternidade Invisível 7)

 In essays, maternity, society

Mamães têm que ouvir incontáveis vezes durante o dia, por vários anos, seu filho lhes chamando e pedindo seu colo. Como se não bastasse a repetição em volumes e intensidades variados, que vão desde um curto “mamãe” baixinho, ascendente, cheio de ternura, quando a criança acorda, até os mais altos gritos de desespero com longos “mamãe” se encadeando sem pausa um atrás do outro, a mamãe escuta ainda repetidas vezes, dos adultos, que a criança age assim porque a mamãe tem teta e o papai não. Quer dizer, se saísse leite da teta inútil do papai, o problema se resolveria. Ou, ao menos, se dividiria.

Por essa lógica, as mamães que não amamentaram ou que o fizeram por poucos meses, não teriam tontura e dor de cabeça de ouvir aqueles gritos constantemente por anos, mesmo após o desmame. Da mesma forma, os poucos papais que assumem a responsabilidade de alimentar seus filhos a partir dos 6 meses de idade durante a introdução alimentar passariam anos escutando-os gritar (ou sussurar) constantemente “papai”, até deixá-los loucos.

É curioso como as primeiras sílabas e palavras que o bebê aprende são aquelas referentes à mamãe e ao mamá e, logo depois, ao papai e ao papá. Teria também a palavra “babá” alguma relação aqui? É igualmente curioso como as pessoas que não estão cuidando de bebês e crianças pequenas, mesmo as que já o fizeram, mas esqueceram por causa da amnésia materna, reduzem tanto as necessidades da criança quanto a dedicação da mãe às tetas. A criança chora, “dá mamá”; ela já não mama, “dá a mamadeira”; ela não está com fome, “dá a chupeta”. Trocar a fralda é consequência da alimentação. Ter uma boa saúde, adoecendo raramente,  também deve ser. Pronto, todas as necessidades fisiológicas da criança podem ser supridas por tetas (úteis). E a necessidade de carinho e atenção, que não é vista como necessidade, mas como carência e apego em demasia da criança, pode ser suprida por uma chupeta.

Outro possível sinal visível de um bom cuidado da criança seria a o asseio e organização física: se não está com a fralda suja, babada, suada, com mãos imundas, unhas compridas, roupa rasgada, cabelo cheio de nós ou bagunçado. Para quem nunca passou um dia com uma criança pequena, pensa que basta dar um banho, trocar as fraldas regularmente, comprar roupa nova para mantê-la apresentável. A ausência de galos, cortes, fraturas, feridas em geral, é irrelevante, pois na teoria a mãe estaria prestando atenção na criança enquanto faz criancices. Na prática, basta dar a chupeta, ligar a televisão ou o celular com desenho animado que a criança não vai sair do lugar, nem fazer o que não deve. Como por exemplo brincar, descobrir o mundo, correr, desenvolver habilidades motoras, intelectuais, afetivas, criativas, sociais, além da autonomia, coragem e segurança, garantidas pela presença e estímulo da mãe em fazê-la confiar que o mundo é um lugar que vale a pena ser explorado.

De resto, acordar a madrugada inteira ou atender o dia inteiro o chamado do filho, reconhecer se é fome, sede, sono, cansaço, incômodo físico, tédio, excesso de estímulo, falta de estímulo, iminência de doença, brinquedo quebrado, estranhamento de novo ambiente ou simplesmente saudade, para só então acertar na solução criando as mais diferentes estratégias que não dar a teta, a chupeta ou a Peppa, não têm a menor importância. Parecem nem existir. São ações, dedicações ininterruptas que só a criança vê, sente, absorve, agradece, mesmo que quando adulta também acabe esquecendo. A criança tem suas complexas necessidades e emoções imediatas compreendidas, ainda mais quando ainda não aprendeu a falar, sanadas e superadas imediatamente pelo mesmo ser que, embora exausto da sobrecarga física e mental, lhe sorri, acalenta e canta com toda ternura a qualquer momento do dia e da noite.

Então pode ser que nossos filhos nos chamem porque, usando ou não nossas super-tetas produtoras de leite, nutrimos qualquer espécie de fome; fome de alimento, de líquido, de amor, de diversão, de descoberta, de acalanto, a todo momento, mesmo da criança que ainda não consegue expressar precisamente através de palavras de qual fome se trata. Basta ela falar a palavra mágica “mamãe”.

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