Emprego do tempo
Nas últimas semanas eu não tive tempo. Aliás, tive tanto tempo que fiz de tudo para esgotá-lo e, na matemática final, não sobrou nenhum. Muitos cálculos desse tipo não fazem sentido. Um deles, para não citar o da proporção produção de alimentos vs. fome no mundo, é o de um planeta com 7 bilhões de pessoas e todas sem tempo. Não digo nem “tempo livre”, mas tempo qualquer mesmo. Aquele tempo para dar um oi, sem precisar mencionar que está sem tempo para dar um oi melhor. E essa equação aumenta em paralelo com a tecnologização de nossas vidas, que, pasmem, supostamente está aí para nos economizar tempo.
Sou péssima de small talk; quero logo perguntar o que a pessoa faz, para encontrar um ponto em comum e superar minha timidez. Mas muita gente confunde essa pergunta com “com o que você trabalha”, naquele sentido de emprego mesmo, e não só de ganhar dinheiro, mas ganhar de uma maneira não estigmatizada socialmente. Ou seja, quem trabalha de faxineiro ou barman, ou mesmo nem trabalha, pode se constranger com a pergunta. Mas meu interesse é saber não como a pessoa é empregada, mas em que a ela emprega seu tempo. Seja desenhando, vendo o Instagram, fazendo festa, dormindo, ou confinada em um cubículo 40 horas por semana. Essa matemática é simples: todos compartilhamos de uma coisa em comum, que é a mesma quantidade de tempo. Olhem lá como Deus foi democrático nesse quesito. Então todos fazemos algo com esse tempo. Eu emprego 9 das 24 horas diárias concedidas dormindo. Como você emprega o seu tempo?
Investe-se tanto tempo juntando e economizando dinheiro para um dia se usufruir do tempo perdido. Investe-se tanto tempo nas redes sociais gerenciando os contatos e a própria imagem, para o dia que sobrar tempo de lhes dar um oi melhor e juntar dinheiro ou contatos (dinheiro) através deles. Investe-se tanto tempo frente a telas hipnotizantes planejando eventos e viagens para neles se planejarem os próximos. Em qual bolsa de valores o tempo foi parar?
Conseguimos atingir o pleno emprego do tempo. Segundo o dicionário Houaiss, o pleno emprego, termo da economia, consiste na “utilização máxima dos recursos produtivos materiais e humanos de uma economia, com a consequente obtenção de trabalho regular e permanente por parte da maioria da população”.
Já não sei se emprego meu tempo, ou se o tempo é quem me emprega. Me emprega pagando mal; com cada vez menos dias de férias e possibilidade de viajar no fim de semana sem que eu precise preencher um requerimento, a ser assinado pela força superior que determina meu espaço de ação. E, se meu espaço de ação é cada vez menor, também mingua a minha vontade de agir. Nas redes sociais me sinto tão livre e autônoma no emprego do meu tempo, capaz de postar o que quero, quando e como quero: que bálsamo para a minha alma. Ademais, seus anúncios sempre acertam na mosca dos meus interesses, de maneira que nem preciso sair de trás da tela para escolher uma nova roupa, um novo destino, um novo evento, um novo amigo.
Sair na rua para quê? Porque é uma maneira muito mais eficiente de fazer networking. Custa um pouco de tempo; talvez pagando baratinho por um anúncio da minha página no Facebook eu consiga mais seguidores. Mas, por algum motivo, esse tal de networking presencial (sim, o termo existe) agrega valor aos contatos. Deve haver pesquisas cognitivas explicando o potencial de encontros presenciais em estabelecer relações economicamente sustentáveis entre pessoas. Também entre pessoas e animais, por mais que vídeos de bichos fofos façam o maior sucesso na internet. De qualquer forma, networking entre pessoas e animais é apenas economicamente interessante para veterinários e artistas de circo.
Como num circo, nossa bolha de lona é quem nos promete aquele bálsamo. Fora dela, temos cada vez menos direitos, menos espaço de ação, menos pessoas em quem confiar, e menos tempo. Fora dela, temos cada vez menos vontade de investir nosso tempo em qualquer atividade que não prometa um bálsamo imediato e não se encaixe em nossa planilha de horários. Cada horário tem que ser produtivo ao máximo, e os horários de pausa dedicamos à bolha. A matemática segue curiosa: quanto menos tempo se tem, mais tempo se passa na bolha, nosso circo pessoal onde somos ao mesmo tempo o apresentador e o palhaço.
Já percebeu que nem você, nem seu sobrinho de quatro anos, nem seu tio de setenta têm tempo? E que parecem cada vez mais malabaristas tentando conciliar estudo, trabalho, Facebook, Instagram, Netflix, atualização do currículo Lattes, do LinkedIn, mensagens de Whatsapp, candidatura de emprego, bolsa, financiamento, termos de compromisso do Gmail, do Android, da Apple, do cartão de crédito, Facebook, boletim de notas, mensagens de Whatsapp, cinema, histórico escolar, curso de inglês, depilação, jogging, ioga, Facebook, pais carentes, primos que não vê há anos, e-mails, mensagens do Whatsapp, grupo de academia, do colégio, faculdade, família pró-lula, parentes bolsominion, livros empilhados, Facebook, relatório de trabalho, passaporte biométrico, máquina de lavar, conserto da geladeira, mensagens de Whatsapp, notícias do dia e, finalmente, Facebook e mensagens de Whatsapp.
Quando vemos, o cálculo não fecha, pois nos faltou tempo sequer de pensar em como empregar nosso tempo.