A re-ascensão da xenofobia (e como descê-la pela própria garganta)

 In essays, society

Acreditava-se que eles eram a exceção, uma silenciosa e marginal anomalia. Agora eles estão dentro, no centro das decisões. Mais que isso, eles estão por todos os lados e em algumas paisagens já formam a maioria. Eles estão na mídia; eles estão no governo. Erguem suas mãos para lutar por seus interesses, recebendo o voto de quem desses compactua. Refiro-me aqui ao AfD e aos xenófobos na Alemanha, como em tantos outros países, mas essas palavras poderiam ser as deles referindo-se a homossexuais, transexuais, negros, feministas ou islâmicos. Independente de qual lado ou em que parte do mundo se esteja, os Outros passaram a ter voz. E isso causa cada vez mais desconforto a quem os acreditava mudos.

Diante de assunto tão urgente, abro o tom confessional a fim de esclarecer de maneira direta que por trás de minha escrita reside a esperança na união através da escuta; da empatia, do interesse em entender o outro para que se possa viver em harmonia. Acredito no lema da União Europeia “união na diversidade”; acredito que aceitando as diferenças, começando pelas próprias, convivemos melhor com os outros – e com nós mesmos. Acredito que palavras podem sensibilizar para as próprias idiossincrasias, os próprios defeitos, os próprios erros e, assim, para as diferenças do Outro.

Aplicando esse princípio aos absurdos que vêm acontecendo no mundo, como a volta do nazismo 80 anos após sua queda, em um país que o declara diariamente como o maior erro de sua história, proponho que identifiquemos nossa própria xenofobia. Considerar o afastamento da presidenta Dilma como golpe ou como justiça, assim como a escolha de Trump como absurda ou uma possibilidade de melhoria, tem sido capaz de criar muros mesmo entre familiares; entre pessoas que se amam. Inúmeros absurdos têm ocorrido contra direitos humanos, que talvez já não possam ser evitados ou combatidos. Mas tratá-los como anomalias ou decisões individuais de chefes de estado, em vez de sintomas de uma sociedade cada vez mais fragmentada à qual todos de alguma forma contribuímos, é também absurdo.

Muitos alemães estão chocados com o resultado das suas eleições. Muitos brasileiros estão revoltados com o que vem acontecendo no Brasil. Muitos americanos se surpreendem com cada declaração de Trump. Imagine agora a outra grande parcela dessas populações que concorda com o que para tantos soa como uma aberração. Enquanto nós vibramos com cada passo dado em direção à igualdade de direitos, do aumento de espaço para aqueles que nunca tiveram nenhum, muita gente se sente amedrontada, apavorada, ameaçada de perder seu espaço, por maior ou menor que seja.

As palavras de Trump e dos que incitam o medo e o ódio, atribuindo os problemas do país ao Outro, soam como um bálsamo para o próprio medo. O discurso xenófobo é uma válvula de escape para aquilo que muita gente já sentia e não tinha coragem de expressar. Para aquela piada racista no meio do jantar de família que ignoramos como se nada significasse. Para a inveja perante homossexuais casando-se felizes, se nem heterossexuais alcançam felicidade em seus casamentos. Para a raiva ao se ver travestis glamorosas na rua, despertada em quem nunca teve a coragem de se vestir e expressar à própria maneira, reprimindo-se pelo que os outros podem pensar.

Em vez de tentar lidar, dialogar a respeito daqueles comentários, escolhemos fingir que eram eventuais ou distanciar-nos de quem os proferiu. Até o momento em que eles encontraram crescente ressonância nos meios de comunicação, no governo que nos representa, e em nosso próprio círculo familiar, tornando-se um monstro, uma gigante aberração que parece ter surgido do nada.

Ao rejeitar com desconcerto, medo e indignação o que consideramos xenofóbico, reproduzimos e disseminamos a xenofobia.

Ao repelir o que uma grande parte da população sente e pensa, considerando-a uma exceção absurda, também repelimos o Outro. Se o mundo está cada vez mais polarizado, é porque também estamos agarrando com unhas e dentes o nosso próprio polo, por mais justo, democrático e humano que ele nos pareça.

No mundo ideal da democracia, o resultado das eleições na Alemanha ou nos Estados Unidos representaria algo positivo: a possibilidade de diálogo entre aqueles cujos medos e opiniões eram reprimidos  – seja dos negros, dos homossexuais ou dos xenófobos – teria se expandido. O problema é que o fóbico também tem profundo medo de conversar. Uma solução que resta a nós, que não nos consideramos xenófobos, é transcender o próprio polo de pensamento. Reconhecer e superar as próprias fobias, raivas e indignações pode ser o primeiro passo para, em vez de escarnecer de volta, entender e dialogar com as diferenças, os medos e o ódio do Outro.

 

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Comments
  • Perla
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    É isso aí, menina. Mas se formos engolir, que seja acompanhado de um aperolzinho.
    Belissima reflexão

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