Sábado de flor de jarro
Todo sábado compro flores novas para a casa. Todo sábado comprava flores novas para a casa, já que no último sábado, após comprá-las novas, questionaram-me se eram flores de vaso ou de jarro. Até aquele momento, todos os sábados enfeitava a casa com flores em vasos, sem aperceber-me de que os vasos talvez não fossem vasos, mas sim jarros – corrigiram-me –, e as flores já não fossem mais flores, pois decepadas de sua raiz e razão. Enquanto vasos preservam a flor tal qual é, independente de dia da semana e pelo tempo que ela tem de ser, eu de certa forma a amputo; apunhalo a quem admiro, só por ser sábado. Ou só por ser flor.
Ser flor irradia brilho; luz que emana até enclausurado apartamento, onde jardins são apenas sabidos na alma ou erguidos efêmeros aos sábados. Ser flor contagia sem saber, sem imaginar que ilumina. Como um feixe do sol que de repente descortina o firmamento, ser flor é um instante do céu. Céu sabatino, sol vespertino, cortina de cores vivas a iludir pobre mortal. Ser flor, perfumar filigrana, acatar o fugidio, o irrepetível, o sábado que não ficará. Abarcar o íntimo do átimo, o ínfimo majestoso segundo em que se fica sem ar. Suspirar. Suspender. Sublimar a morte que já se é, e o fim que irromperá.
Mais uma vez será sábado; respiro fundo. Comprar ou não comprar? Amputar, alegrar, matar, viver? Morrer na pergunta ou viver a resposta? A flor do último sábado, ainda nova na casa, já não é nova no jarro, e o jarro – corrigiram-se – já não é jarro, mas jarra. Cem sábios anos de flor se encurtaram; seu caule se encurva, pétalas secam e caem. Volto para casa, para minha raiz, meu vaso, jarra, jarro. Razão. Ainda nem é novamente sábado, e as novas flores do último sábado mal me fitam, cabisbaixas. Seu breve apogeu passou sem notar-se. Tampouco pude muito fitá-las. Mas do pouco que pude desde sábado, mais sorri, mais me ri – mais fui flor –, e menos morri.
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