Risco de vida
A vida é a certeza da morte. Uma relação é a certeza da separação. A existência é a certeza de transformação. O que fazemos no entremeio, do nascimento à morte individual e de uma relação, é duvidar. É apegar-nos ao ceticismo a essas certezas. Apegar-nos à ilusão de que podemos evitá-las, mudá-las ou, ao menos, abrandá-las. À ilusão de que controlamos a própria vida.
Infelizmente, não controlamos nem o que sentimos, quanto menos o que nos acontece. Por mais que queiramos, não podemos evitar a dor, o sofrimento, os medos, nem o amor, a paixão e a coragem de seguir em frente. Somos capazes, no entanto, de aprender com todos eles. De nos fortalecer através de cada queda – e de cada vitória.
O sofrimento vem não com os acontecimentos da vida, mas com a interpretação que damos a eles. E justamente no momento em que não correspondem a nossas expectativas de como as coisas deviam acontecer: um repentino acidente, um amigo que tem que partir, uma doença avassaladora. Quando alguém morre, deixa uma ausência que nunca esperávamos sentir, pois até ali contávamos com aquela presença. De repente, algo mudou.
O tempo inteiro algo muda no mundo e dentro de nós. O tempo inteiro somos diferentes do que fomos agora há pouco. O tempo inteiro podemos algo que não podíamos antes. Mas criamos hábitos e rotinas que nos fazem crer fixos. Interpretamo-nos como seres estáveis e invariáveis, imutáveis e imortais, sofrendo demasiadamente a cada sinal de mudança. Criticamos cada crise como um fim de mundo. Drama, dor, desespero, cegueira. Em vez de criticar nosso próprio olhar crítico, fixo, teimoso, que faz tudo para evitar e abafar qualquer crise.
O tempo inteiro corremos risco de morte; risco de morrer. Não há nada a perder além daquilo que é certo que perderemos: nossa própria vida e as pessoas que fazem parte dela – essas também morrerão. Depende de cada um pôr-se em risco de perder a própria vida; perdê-la não para a morte, mas para si mesmo. De ignorar e sufocar seu inerente movimento. De não arriscar para não sofrer; para não morrer e renascer antes da verdadeira morte. De correr risco de vida; risco de viver.
Antes morrer mil mortes na vida do que deixar de vivê-la em sua plenitude.