Mulher de coração
Quero escrever, quero falar, quero gritar sobre este tema,
E esse é exatamente o problema:
Ela não deve, ela não ousa, ela não sabe o quanto sofre
Por não ser tudo o que pode.
Ela é bela, ela é feia; ela é bruxa e é princesa.
Ela é doce e é grosseira. É sorriso e aguaceira.
Tanto chora e tanto ri: chamam isso de histeria.
Mas, no fundo, é longa história:
Reprimia a alegria, escombros escondia,
Encobria o próprio corpo, reduzia a sua luz,
Mas sorria – como sorria. E só sorria.
Não falava, não merecia opinião,
Perdida em meio à multidão
De mulheres meio-humanas, meio-vaso:
Mulher decoração.
Mulheres virgens, pobres donzelas
À espera do príncipe em seu alazão.
Ninguém as regava: suas fozes secavam,
Suas folhas caíam, raízes enrugavam.
Emudecidas em vez de umedecidas,
Não tinham gozo, não tinham orgasmo,
Não tinham o mini membro mutilado,
Mas sua força criadora, o poder de mutação:
Sua libido, liberdade, libertinagem.
Mulher de coração:
Mulher de corpo e alma, melhor a cada dia.
Mulher sexo e paixão: melhor ser morte e vida
Que esmorecer contida em vaso de vidro.
Mulher plebeia, rainha, mãe de família,
Deusa da terra, do vento, do fogo e da água,
Potência ancestral fertiliza, acalma, confia,
Merece respeito e muito cuidado: é rebeldia,
Terremoto, maré cheia e ventania.
Você que a injuria tal seu pai e seu irmão,
Tal seu avô, seu bisavô e tataravô,
Por tudo o que ela fez, por tudo o que ela fala,
Esquece ser justo ela que, sem conjectura,
Gera, germina, generosamente dá
Para você, pro seu pai, seu avô e bisavô,
Suas vidas, suas histórias, seus prazeres e histerias,
E a coragem que esmagam ao julgar
A mulher por ser aquilo tudo, transcender aquilo tudo,
Que vocês jamais ousaram ser.