Escrever
Escrever é deparar-se consigo mesmo. Tentar dar outra cara ao reflexo do espelho. Ainda que a tentativa inevitavelmente falhe, transforma cada ruga da face em um novo caminho.
Escrever é enfrentar-se. Lutar contra imagens que preferimos não ver, contra memórias que moem, histórias que corroem, que atacam a mente sem prevenir. Lutar com as mesmas imagens por estórias e desfechos menos doloridos e mais coloridos.
Escrever é iluminar-se. Permitir que a luz transpasse a pele, entre nas veias para se desdobrar pelos dedos em forma de dados jogados ao destino. A soma final vira vitral, desvelando a cada leitura segredos sagrados em sermão cuja igreja é a própria alma.
Ter que escrever por vezes rasga rachaduras nessa mesma pele, reabre duras feridas, e aprofunda as linhas do tempo na tês. Palavras surgem sem pedir passagem, ressuscitando chamas longamente emudecidas. O que parecia cinzas, volta a arder como outrora.
Palavras não têm que ser, mas querem ser escritas; querem que as cinzas cintilem como adubo de novas terras. Fecundam sementes que a cada semana o vento espalha sem prever por onde. Floresço eu mesma ao tocar outros jardins. Florestas formamos ao perceber a luz que acalenta provocar fotossíntese tanto aqui quanto aí.