Crônica de um Amor anunciado
Na semana em que o matariam, Amor deu voltas na quadra. Duas quadras em direção do oceano; três quadras em direção ao fim. Amor amava mas não queria, não sabia que queria; queria não sabê-lo. Pois Amor já fora dor, já fora ardor; descansar era sua sina.
Só que Amor, que amara e agora amava, não reconhecia. Na frente do espelho via outros dias; dias tão ensolarados como azuis e noites de fumaça. Não era mais tão jovem; tinha muitos desses dias. Ainda assim, guardava a esperança em seu gabinete cheio de livros e retratos do mar.
Para Amor, mar era o maior. Amor era mar. Mas maresia oxidou o esquadro do espelho – merecia algumas manchas. Carcomido, o vidro já não transluzia; deixava figurar seu fundo, seu limite. Carcomido, um coração vê seu fundo vislumbrando seu fim.
Na semana em que o matariam, Amor morreria. Amor é morte. Morrer um pouco a cada dia. Viver muito o cada dia. Intensa semana, a da morte de Amor: morrer tão cheio de mar, amar tão cheio de morte. Amor tinha que parar com isso. Amor tinha que ser porção que alimenta, porção que dá; leveza, beleza, prazer.
Na semana em que o matariam, Amor caminhou cinco quadras em direção ao Cristo. Lá encontrou Paciência jogando xadrez com a Morte, ainda em posse da dama negra, mas sem ambas as torres. Paciência tinha cavalos, bispos brancos e o rei. Soberana, sua bata branca ditava o bem.
Alva vida virando alvo de interminável jogo sem regras. Disputa? Duelo? Diálogo. Em um dos dias ensolarados ou mesmo de nuvens, o alvo paciente venceria o escuro medo. Amor não morreria mais de medo. Nessa semana, Amor não se mataria.