Um casamento bem-sucedido

 In crônica, auto-ajuda

Meu marido acorda sempre de mau humor. Bom, não é sempre nem exatamente mau humor, mas ele não gosta de falar nas primeiras horas do dia e muitas vezes fica na cama até tarde. Diz que precisa passar tempo sozinho para reabastecer sua “capacidade de socialização”. O que ele chama de sociofobia, eu considero chatice. E um bocado de preguiça.

Meu marido contagia a todos à sua volta com o sorriso e os olhos brilhantes que brotam em seu rosto quando feliz. Com sua ininterrupta fábrica de sonhos e busca pela realização deles. Às vezes não consigo parar de admirar sua beleza: ele deseja melhorar o mundo com seu olhar de oceano; de seus doces lábios surgem conselhos tão eloquentes e as melodias mais cativantes.

Meu marido parece bipolar: uma hora está melancólico, sem força nem vontade de sair ou fazer qualquer coisa, e até chora. Muito. Outra hora fica elétrico, dança, fala sem parar, encontra um monte de gente, tem mil ideias irreverentes, escreve, transforma-se num vulcão em plena criatividade.

Eu não consigo entendê-lo; como pode ser tão carinhoso, atencioso, vibrante, e de repente vira um chato, deprimido, que não quer conversa? Durante o noivado, eu precisava encontrar amigos, beber para relaxar, viajar para respirar outro ar, tomando novo fôlego para conviver com seus defeitos. A cada novo episódio de reclusão emocional dele, eu me sentia mais solitária. Parecia que não podia contar com ele a qualquer momento.

Ao decidir casar com ele, sabia que casaria não só com sua parte contagiante, mas também com a contagiada. Sabia que casaria com seu mau humor, sua melancolia, com seus novos cabelos grisalhos, com as crescentes gordurinhas na barriga. Me propus a transformar cada decepção minha em uma recepção: aceito, respeito e recebo seus acessos de raiva ou tristeza, cada cena de imaturidade, ignorância ou de sua insatisfação crônica, como uma dádiva. Cada um deles eu converto em um poema, um desenho, uma canção, uma escultura. Cada um torna-se uma declaração de amor.

A partir do dia em que meu marido colocou nossa aliança em meu dedo, eu não sofri mais de solidão. Quando por um instante duvido de nosso amor, leio seu nome por debaixo da aliança para lembrar de quem desde aquele dia nunca me abandonou, a quem tampouco abandonarei, e que me faz feliz mesmo quando a tristeza se instala: eu.

 

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Comments
  • Perla
    Responder

    Delicia….

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