O parto do poder criador (Maternidade Invisível 14)

 In feminism, maternity, auto-ajuda

Ainda grávida, uma amiga veio do vento contradizer minha crença de que, ao realizar o sonho de ter um filho, eu teria que abrir mão de muitos outros e do maior de todos, que era gravar um álbum com minhas composições. Essa amiga multiartista-doula-terapeuta-filha-de-santo-mãe de outra pequena artista me provou com sua trajetória de vida que não; que com um filho muito mais possibilidades se abririam em mim. Nutri-me de esperança e novamente de curiosidade para experimentar o que parecia ser um portal para uma nova vida.

Pouco mais de um ano depois, no primeiro aniversário do parto do meu filho, foi que entendi que aquela data era também o primeiro aniversário do meu parto. Ao parir o filho, a mãe pare a si mesma. Passei a compreender o que era puerpério. Foi como se eu tivesse passado um ano hibernando na simbiose com meu filho, integralmente focada no atendimento e entendimento de suas necessidades. Como se tivesse passado até por outra gravidez, da nova mulher que dali surgia, agora mãe e muito mais. O parto rompeu e estilhaçou uma mulher que aos poucos acordaria para olhar ao redor e vislumbrar seus pedaços, separando os mais vívidos dos já putrefatos. Despertando, aos poucos cataria as peças mais brilhantes de seu ser para compor novo mosaico, no qual somente peças-chave se encaixariam no quebra-cabeça mutante do que é nossa essência e propósito de vida.

A lua cheia daquele mês me impulsionou nessa direção ao colocar no meu caminho uma terapeuta parteira e artista. Ela tem sido a doula do meu próprio parto, e dos diversos partos que o acompanham. As veias estancadas da minha porção artista desde a pandemia voltaram a bombear minha poção de vida que são minhas criações. Minhas emoções abafadas por muito tempo, que antes vertiam semanalmente em palavras, voltaram a desaguar em crônicas sobre maternidade a patriarcado, descobrindo uma nova potência ao falar sobre o que ninguém fala, pois não valoriza nem vê. Minhas músicas têm trilhado caminhos fora de mim na mão de inventivos artistas que colorem minhas melodias com suas escutas únicas. Em breve nascerão para o mundo com o lançamento de meu álbum “Vitral”.

Meu filho descobre aos poucos o mundo fora da minha barriga e de nossa casa, ao mesmo tempo que minha expressão o redescobre como mãe. Eu quero estar sempre com ele, quero estar presente a cada palavra nova que balbucia, cada novo gesto que aprende, cada nova descoberta e conquista. Eu quero igualmente estar sempre comigo, aprendendo novos gestos, descobrindo e conquistando o mundo.

Lágrimas pelo tempo perdido a cada segundo na ausência de seu sorriso.

Lágrimas por sua vozinha doce e seu jeito angelical.

À água salgada que percorre meu rosto mistura-se o desejo, o instinto indomável da alma de ser mais livre do que nunca, agora que sabedora de minha própria força geradora de vida.

Eis o pós-puerpério. O útero não voltou ao lugar; passei a sentir cólicas. O corpo não voltou ao lugar; a barriga despontou e o quadril expandiu o tamanho da calcinha. A mãe não voltou nem jamais voltará ser a mulher que era, graças à deusa. Pois aquela mulher não era mãe. Aquela mulher não conhecia seu filho, sua prole, não se conhecia, não conhecia seu poder criador, cuidador, multiplicador.

Ela não se sabia força geradora de vida e de mundo.

Agora que sabe, quer que seu filho e o mundo inteiro o saibam também.

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