Esperanza
Esperanza era uma mulher-menina, baixinha, de olhar sonhador e determinado. Almejava a carreira de cantora clássica, soprano, embora já tivesse passado da idade. Os cabelos longos acompanhavam sua fala, que, contando como encantaria o mundo através de sua voz levemente desafinada, se estendia até o sol nascer.
Esperanza parecia pequena, mas seu sorriso de sol, olhos de estrela e boca Via-Láctea não deixavam dúvida: por dentro, carregava o universo. Suas madeixas negras enrolavam-se em flores e refletiam castanhas sob a luz da primavera. Não lhe importava o desdém de quem só via sua ingenuidade, sua bobice em semear o parque com sementes de girassol.
Esperanza fez concertos, cantou a música de sua terra e da dos outros. Apresentou-se em espaços confinados, para públicos mínimos, mas cativos. A voz doce e densa de Esperanza não era perfeita nem exímia, perdendo às vezes o tom. Mesmo assim, fazia mágica: por alguns eternos instantes, cada ouvinte encontrava dentro de si um universo.
Faz muito tempo que vi Esperanza pela última vez. Dizem que voltou para a sua terra, que sua afinação havia melhorado e que até fez algum sucesso por lá, mas que acabou sucumbindo. Ela era tão pequena, baixinha, ingênua e boba, que o mundo a engoliu. Esperanza foi parar no manicômio, e nunca mais se ouviu nada dela.
mas…como sabemos, ela é sempre a última que morre