Ser mãe, mesmo privilegiada, é padecer no paraíso (Maternidade Invisível 4)
Sou uma mãe privilegiada. Pude planejar e pagar um parto, sua preparação e cuidados posteriores humanizados; nunca precisei me preocupar com finanças para cuidar de meu filho; moro com o pai dele, que trabalha ininterruptamente para seu sustento. Posso arcar com faxineira, com babá quando necessário, ou com a escolinha que ele acaba de ingressar. Mas o privilégio principal é poder me dedicar ao desenvolvimento e à garantia do bem-estar do meu filho integralmente por mais de um ano. Poder testemunhar a cada instante suas pequenas e grandes conquistas motoras, ouvir cada fonema novo que cantarola em melodia, vê-lo pegar um objeto em cima da mesa que no dia anterior ainda não alcançava, ou saborear junto a ele a mistura extasiante de acidez e doçura de uma mexerica. Poder viver no paraíso, um paraíso sem rede de apoio, enquanto padeço.
Ontem a minha cabeça doía ao mesmo tempo em que não funcionava direito, mesmo depois de tomar paracetamol e de tirar um cochilo de uma hora enquanto Amaro também cochilava. Demorei o dobro do tempo de costume para organizar nossa saída para uma festividade, separando roupas, fraldas, água, lanches, sapatos para que ele não ficasse com frio, falta de higiene, sede, fome, nem machucasse os pés. Enquanto fazia isso, ele caiu e chorou bastante, ficando com o rosto vermelho, e eu não sei exatamente como. Chegando lá o ambiente estava muito frio pelo ar-condicionado forte e me dei conta de que não havia levado uma calça que segurei algumas vezes nas mãos antes de sair. Eu lembro muito do que aconteceu ontem, apenas que tinha a impressão de que não estava atenta a nada direito e só queria ir embora e dormir.
Na última semana, Amaro tem acordado a cada duas, três horas de madrugada, e de forma constante nas últimas duas horas antes de despertar. Nessas últimas horas tenho dormido em seu quarto, já que muitas vezes me deito e ele já acorda. Muitas vezes durmo no chão, que me dá menos dor nas costas e no pescoço do que dormindo em seu colchão não indicado para adultos. As duas últimas noites ele passou com febre sem razão aparente; passei a noite auferindo a temperatura e medicando-o quando estava alta. Quando ele, na segunda noite, passou acordado das 2:30 às 4:40 da madrugada e eu não aguentava mais de exaustão e de tentar fazê-lo voltar a dormir, me lembrei que três semanas antes havia passado pela mesma situação, da qual até hoje não me recuperei física e mentalmente, quando ele ficou gripado por seis noites em que eu não pude dormir, durante 14 dias que tampouco pude descansar ao longo do dia. Só que nessa situação eu estava em outra cidade, sem o pai dormindo no quarto ao lado. Por isso, dessa vez julguei importante acordar seu pai no meio da noite, apesar de sua exaustão, para fazê-lo dormir. Funcionou em poucos minutos.
Com minha exaustão física e mental, ao invés de tentar ninar Amaro no meio da noite, tenho simplesmente deitado ao seu lado amamentando-o até ele dormir, em uma pose que tem me lembrado de minha cadela da infância, que amamentava oito filhotes de uma só vez. Quando cansava, ela se levantava e os filhotes, pendurados, iam soltando um a um suas tetas. Eu não faço o mesmo porque Amaro chora, o que piora as chances de ele voltar a dormir. Fico com muita sede e vou quase todas as vezes ao banheiro, assim que ele adormece.
Hoje, domingo, pude dormir durante as primeiras duas horas em que Amaro já havia despertado. Eu agradeci ao pai com “muito obrigada por me permitir descansar, foi muito importante”. Enquanto padecemos no paraíso, desenvolvemos, compulsoriamente, virtudes como a paciência e a gratidão. Um dia esperei com Amaro inquieto e cansado em um braço, carrinho no outro, mochila dele nas costas, bolsa minha no ombro, durante meia hora por um Uber que, quando finalmente chegou, passou por nós, parou dez metros à nossa frente durante dois segundos e foi embora. E com raiva para os céus os braços levantei, blasfemei: que saco. Amaro me beijou o rosto na mesma hora. Levitei inteira aos céus.