Paixão de véspera
Quando meu time de basquete sabia não ter chance alguma contra um adversário forte, nosso treinador nos chamava de peru de natal, que já morre na véspera. Medo enfraquece, faz as pernas tremelicarem, pode até matar antes da morte propriamente dita, propriamente morta. Os animais no abatedouro sabem quando vão morrer e intencionalmente liberam no sangue hormônios malignos produzidos pelo medo apenas para se vingarem de nós, que sofreremos de indigestão e consciência pesada após devorá-los.
Eu me apaixono de véspera. Nunca entrei em campo com aquele adversário, mas seu sorriso e olhos cativantes já me levam à certeza de que possui todos os pontos fortes para ganhar meu coração: inteligência, sensibilidade, criatividade, bom humor, mente aberta. A mente enfraquece, balança as pernas bambas, e, quando menos espero, estamos casados após lua de mel nas ilhas Maldivas, criando três filhos lindos e muita arte pelo mundo afora . Uma novela se desenrola telepaticamente, sem que a mente do adversário seja sequer informada de seu papel de galã.
Eu buscava o homem da minha vida; da minha vida. E aqueles seres humanos do sexo masculino tinham a vida deles. Às vezes nem faziam muita questão de ser homem, quanto menos o da minha vida. O homem da minha vida era uma silhueta de metal cada vez mais enferrujada, gasta, onde meros humanos foram embutidos sem muito sucesso. Quando a paixão ardia, a silhueta ficava em brasas, servindo de ferrete. Quantos couros tatuei com minha paixão de véspera.
Bonito seria amar as pessoas sem bem conhecê-las: amor de véspera. Mas a ardência da paixão nada tem a ver com o altruísmo do amor, pelo contrário. Ela libera hormônios malignos de querer estar junto, possuir, abater para devorar o objeto de desejo. Na paixão de véspera, nem importa quem está por trás daquele objeto; faz de conta que não tem vida própria nem bagagem emocional. Ex-namoradas, ex-mulheres, filhos, dores, limitações: todos são abatidos de antemão. A paixão de véspera tem medo deles, tem medo de tudo o que pode dar errado, tem medo de que o objeto de desejo não caiba na silhueta, e de que mais uma vez a história acabe em incêndio. Em meio às chamas, a única coisa que permanece intacta é a silhueta de metal.
Agarrar-se a expectativas é pior que peru de natal. Sei que vamos todos morrer – eu, você, o objeto de desejo, o peru –, que vou perder, que vou devorar, e sofro de indigestão antes mesmo da ceia. Já sei como ela será e que acabará em chamas. Paixão e pavor se fundem. Preparo receitas da internet, calculo o número de convidados e o que falar para cada um deles, mantendo o fogo o mais baixo possível. E, mesmo assim, o galã da festa se levanta antes do esperado. Ou fica muito mais tempo que o esperado. Ou dá uma opinião inesperada. Difícil sintonizar nossas silhuetas.
Mais seguro apaixonar-se antes da paixão propriamente dita, propriamente apaixonada, devorar a si mesmo, e morrer logo de paixão na véspera.
Nelida Piñon disse uma vez e eu gravei: o medo interdita! Sem medos para amar mais e sempre.
Como disse uma vez o filosofo: vamos todos morrer…menos a rainha da Inglaterra!
Nina, acredito que o normal de todos os seres humanos, seja projetar os seus desejos, anseios, esperanças e o que mais lhe valha.
Seria estranho se não fizéssemos isso.
Eu por exemplo, tenho uma marca incrível. Nunca levei um fora sequer de uma garota numa balada, ou num bar na época que saia. Também nunca tentei rs.
Sempre tive medo do NÃO. Sempre.
O que reforçou ainda mais este meu tipo de posicionamento, foi que sempre fui habilidoso em me relacionar com pessoas de outras formas, seja pelo meu círculo de amigos, profissional ou acadêmico. Nunca precisei da balada pra isso, mas admito que tenho a sensação que perdi um bocado de experiências, minimamente, interessantes.
Difícil saber e dizer sem viver, difícil dizer se morrer 😉
Te chateei ?
por quê?
Vc não respondeu meu último email hahahahahah achei que tinha escrito algo inconveniente …
=/