Estamos velhos

 In essays, society

Você que já passou dos 60, seu filho que chegou na crise dos 40, sua sobrinha que completa 20 dentro de alguns dias, sua tia aos 90. Não importa a idade, todos nós sabemos e repetimos diariamente esta verdade: estamos velhos. E pior: tudo o que está acontecendo de ruim em nossa vida é consequência de nossa idade avançada. Dor no joelho ao correr, dor no joelho antes mesmo de se levantar, dor de cotovelo, dor de corno – coisas que o acúmulo de anos nas costas nos traz.

Os modelos dos anúncios retocados no Photoshop são todos mais jovens, saudáveis e felizes que nós. Até hoje, nenhum deles apareceu reclamando de dor no joelho. Nossos amigos no Facebook demonstram tanta vitalidade sorrindo em suas selfies, viajando por todos os lugares e encontrando um monte de gente alegre, maquiada, bem vestida, cheia de vida. Nenhum deles nunca foi traído, magoado ou abandonado, nunca sofreu por amor, de depressão ou cálculo renal. Todo mundo à nossa volta está se dando melhor do que nós. Por quê? Porque nós, ao contrário do resto do mundo, estamos velhos.

Bebês usam tablets, crianças que mal sabem ler programam aplicativos, e você que fez faculdade nem sabe direito o que é um tablet e um aplicativo. Você aprendeu inglês na escola e não entende o vocabulário da atualidade: twittar, dar match, escrever um egotrip, apoiar um crowdfunding, trabalhar em um co-working, checar o feed de notícias. As receitas que você aprendeu observando sua vó na cozinha e a técnica de violão passada por seu pai durante anos não têm nenhum valor, pois o Google e o Youtube oferecem dicas melhores de como viver a vida. Em um piscar de olhos, você e tudo o que você sabia entraram em extinção.

Já não temos aquele pique de sair várias noites, beber, dançar e no outro dia ir trabalhar normalmente. De viajar para vários lugares, pegar qualquer ônibus, dormir e comer quase nada para aproveitar o máximo possível. Já não temos aquele pique de abusar do próprio corpo e não sentir nada; afinal já abusamos tanto naquela época. Nos pensávamos indestrutíveis, testando constantemente nossos limites. Eu praticava esporte todos os dias e nunca tive dor no joelho; agora tenho, pois estou velha. Podia comer uma pizza inteira, beber refrigerante à vontade e tomar sorvete de sobremesa; agora tenho que cuidar do colesterol e da glicose, pois estou velha. A cor natural de meu cabelo era linda; agora é feia, pois estou velha e grisalha.

Quem está nos deteriorando, a idade ou nossa visão deteriorada?

A idade, essa malvada, nos faz de gato e sapato, acaba com a gente. Ela nos torna ranzinzas, intolerantes, amargurados, cheios de dores e remédios para tomar. Nos afasta dos mais jovens, que são jovens demais para entender os meandros da idade. Nos afasta dos mais velhos, que, comendo queijo todos os dias, parecem mais jovens que nós. Além de aguçar a distância de meses, anos ou décadas entre nós e o resto do mundo, a idade aguça nossa distância emocional: ninguém entende minhas dores pessoais. Eu menos ainda; por isso tomo meus medicamentos e acesso o Facebook regularmente.

A maldita idade avassala sem pudor. E não há saída para ela: é comprovado cientificamente que quanto mais se envelhece, mais velho se fica, e quanto mais os anos passam, mais anos de idade se tem. Ou seja, não estamos velhos; somos velhos e ficaremos mais e mais. Mas, se somos todos velhos, não sofremos juntos do mesmo mal?

 

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Comments
  • Perla
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    Por est ar velha, mas não “idosa” a autora ainda não aproveitou as benesses do envelhecer…Será que haveria?

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